segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Bolo de Chocolate

Parece que o verão mudou pra novembro.

A excitação preguiçosa dessa época do ano se reflete nas roupas e nos sapatos dos outros. Eu queria muito poder vestir uma leve regatinha branca, uma saia de um tecido que parece chita (mas que muda de nome de acordo com a pessoa que o está usando), uma sacola de pano no lugar da mochila preta e um chinelinho de dedo. Talvez eu até amarasse alguma coisa no tornozelo. Só pra enfeitar. Se eu fechasse os olhos e me esforçasse um pouco, poderia até sentir o cheiro salgado da praia...mas o litoral não foi feito para pessoas como eu, então eu continuo aqui, vestindo minha calça jeans (que de tão apertada só intensifica o calor), minha blusa preta (que ainda tem um top por baixo, também preto) e calçando meu All Star que já está tão velho que desconfio estar me causando joanetes precoces, mas não tenho dinheiro pra comprar outro tênis e meus pés são nojentos demais pra serem exibidos num chinelo.

Já que antecipar o verão não me ajuda em nada, pois ele só me incomoda, tento me distrair com o que é meu inimigo ao mesmo tempo que é a única coisa que me satisfaz: comida. Doce, nessa ocasião.

Procurei um lugar em que meu crime fosse anônimo e o único que encontrei foi a escadaria da História. Procurei o degrau que julguei ideal (abaixo da sombra noturna de uma árvore) e abri a mochila lentamente. Desembrulhei com cuidado o bolo de chocolate, me esforçando para não deixar pistas em minhas roupas e mãos. Olhei-o com algo muito próximo da paixão: era um bolo de chocolate, recheado com coco e um creme gelado (também) de chocolate.

Na primeira garfada me assustei com o barulho metálico de algum objeto se batendo contra o corrimão da escada. Tentei ignorar, mas ele voltou a acontecer e agora era acompanhado por malditas vozes alegres. Fiz um tremendo esforço para me tornar invisível. O mesmo que faço quando algum comentário me magoa ou quando viro motivo de piada. As três vozes passaram por mim e uma delas disse “bolo de chocolate é uma delícia, né?” enquanto as outras riam aquelas risadas abafadas que nos fazem sentir humilhados e ridículos justamente por serem um misto de escárnio e pena. Na minha opinião, isso é mais cruel que muitos outros xingamentos.

Eu poderia ter pensado em várias coisas legais pra dizer e talvez até me tornasse interessante para eles. Quem sabe não seria convidada pra tomar uma cerveja e poderia até fazer parte do grupo. Mas sou tímida. E além de tímida, estava acuada, então não consegui pensar em nada além de uma resposta infantil, já que desde sempre aprendemos que não oferecer o que se come é falta de educação: “Você quer?”. A pergunta foi involuntária e automática, como um pé que chuta ao receber uma pancadinha no joelho. Eu não sei o que a voz respondeu, mas as três saíram rindo e no meio daqueles sons desconexos eu só conseguia distinguir o “bolo de chocolate”. As vozes atravessaram a rua e encontraram outras que se juntaram ao coro de risadas e “bolo de chocolate”. Eu ainda as ouvia mesmo quando elas já tinham sumido, em direção ao CRUSP.

Quando eles estavam por perto, tive a sensação de ter aumentado de tamanho, sendo impossível que eles não me notassem; quando foram embora, senti uma estranha dor no estômago e me senti diminuta, indefesa e insignificante. Quando a dor passou e voltei a pensar com clareza, já tinha comido todo o pedaço do bolo. Se não fosse pelas vozes ecoando na minha cabeça, teria até esquecido que ele era de chocolate.

2 comentários:

Mayara Novais disse...

A sua maior crítica é vc mesma!!E enquanto vc não se ver como a pessoa incrível que é e todas as possibilidades que se abrem pra vc, o mundo te verá pequena ou até não te verá...E quem fala isso é uma pessoa que se identifica mto com vc...coisa de taurina!!xD

Bjoo

-E2R- disse...

Oi Déia! Bela história, emboa triste. Acho que vc não precisa escrever só isso! Tem muito mais em vc, eu sei disso!
Ah, li sua carta e escrevi uma, mas nunca mais te vi nos corredores da faculdade. Não te odeio!rs... Vc tem uma visão, eu tenho outra, é só isso! Me senti como Mário e Bandeira trocando cartas filosóficas! rs...Não sei quando vc irá lê-la. Mas irá.
Bjs Déia!