Parece que o verão mudou pra novembro.
A excitação preguiçosa dessa época do ano se reflete nas roupas e nos sapatos dos outros. Eu queria muito poder vestir uma leve regatinha branca, uma saia de um tecido que parece chita (mas que muda de nome de acordo com a pessoa que o está usando), uma sacola de pano no lugar da mochila preta e um chinelinho de dedo. Talvez eu até amarasse alguma coisa no tornozelo. Só pra enfeitar. Se eu fechasse os olhos e me esforçasse um pouco, poderia até sentir o cheiro salgado da praia...mas o litoral não foi feito para pessoas como eu, então eu continuo aqui, vestindo minha calça jeans (que de tão apertada só intensifica o calor), minha blusa preta (que ainda tem um top por baixo, também preto) e calçando meu All Star que já está tão velho que desconfio estar me causando joanetes precoces, mas não tenho dinheiro pra comprar outro tênis e meus pés são nojentos demais pra serem exibidos num chinelo.
Já que antecipar o verão não me ajuda em nada, pois ele só me incomoda, tento me distrair com o que é meu inimigo ao mesmo tempo que é a única coisa que me satisfaz: comida. Doce, nessa ocasião.
Procurei um lugar em que meu crime fosse anônimo e o único que encontrei foi a escadaria da História. Procurei o degrau que julguei ideal (abaixo da sombra noturna de uma árvore) e abri a mochila lentamente. Desembrulhei com cuidado o bolo de chocolate, me esforçando para não deixar pistas em minhas roupas e mãos. Olhei-o com algo muito próximo da paixão: era um bolo de chocolate, recheado com coco e um creme gelado (também) de chocolate.
Na primeira garfada me assustei com o barulho metálico de algum objeto se batendo contra o corrimão da escada. Tentei ignorar, mas ele voltou a acontecer e agora era acompanhado por malditas vozes alegres. Fiz um tremendo esforço para me tornar invisível. O mesmo que faço quando algum comentário me magoa ou quando viro motivo de piada. As três vozes passaram por mim e uma delas disse “bolo de chocolate é uma delícia, né?” enquanto as outras riam aquelas risadas abafadas que nos fazem sentir humilhados e ridículos justamente por serem um misto de escárnio e pena. Na minha opinião, isso é mais cruel que muitos outros xingamentos.
Eu poderia ter pensado em várias coisas legais pra dizer e talvez até me tornasse interessante para eles. Quem sabe não seria convidada pra tomar uma cerveja e poderia até fazer parte do grupo. Mas sou tímida. E além de tímida, estava acuada, então não consegui pensar em nada além de uma resposta infantil, já que desde sempre aprendemos que não oferecer o que se come é falta de educação: “Você quer?”. A pergunta foi involuntária e automática, como um pé que chuta ao receber uma pancadinha no joelho. Eu não sei o que a voz respondeu, mas as três saíram rindo e no meio daqueles sons desconexos eu só conseguia distinguir o “bolo de chocolate”. As vozes atravessaram a rua e encontraram outras que se juntaram ao coro de risadas e “bolo de chocolate”. Eu ainda as ouvia mesmo quando elas já tinham sumido, em direção ao CRUSP.
Quando eles estavam por perto, tive a sensação de ter aumentado de tamanho, sendo impossível que eles não me notassem; quando foram embora, senti uma estranha dor no estômago e me senti diminuta, indefesa e insignificante. Quando a dor passou e voltei a pensar com clareza, já tinha comido todo o pedaço do bolo. Se não fosse pelas vozes ecoando na minha cabeça, teria até esquecido que ele era de chocolate.
13 Reasons Why & Suicide Awereness
Há 7 anos
2 comentários:
A sua maior crítica é vc mesma!!E enquanto vc não se ver como a pessoa incrível que é e todas as possibilidades que se abrem pra vc, o mundo te verá pequena ou até não te verá...E quem fala isso é uma pessoa que se identifica mto com vc...coisa de taurina!!xD
Bjoo
Oi Déia! Bela história, emboa triste. Acho que vc não precisa escrever só isso! Tem muito mais em vc, eu sei disso!
Ah, li sua carta e escrevi uma, mas nunca mais te vi nos corredores da faculdade. Não te odeio!rs... Vc tem uma visão, eu tenho outra, é só isso! Me senti como Mário e Bandeira trocando cartas filosóficas! rs...Não sei quando vc irá lê-la. Mas irá.
Bjs Déia!
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