sexta-feira, 18 de julho de 2008

Cinza

Nunca gostei dessa cor. Nunca comprei uma roupa dessa cor. Nem acessórios, nem cobertores, nem cadernos e na minha caixa de lápis de cor, o cinza permanecia ali, firme, completo, inteiro, quase nunca usado. Enquanto das outras cores restavam apenas tocos de lápis (que eu mal conseguia segurar na hora de colorir alguma coisa), eu evitava trazer o cinza para o meu frágil mundo de papel.

Apesar do meu esforço, a imponência do lápis cinza parecia começar a se revelar, escrevendo e colorindo a minha vida, infiltrando-se nela enquanto eu crescia. Então eu comecei a gostar dos dias nublados, dos clipes em preto e branco, das roupas com listras pretas e brancas, e das pessoas brancas enfiadas em roupas pretas.

Assim como o cinza vaga entre o limite extremista do branco ou do preto, eu vago entre o limite do ser e o não ser: tenho inteligência masculina e traumas femininos; sonho com a felicidade, mas cultuo a minha tristeza, como se ela me fizesse uma pessoa mais nobre; sou frágil, mas profunda demais para ser resgatada de dentro de mim; sou teimosa, ao mesmo tempo que sou insegura; sou eu, ao mesmo tempo que quero ser o outro; sou a verdade que se revela através da mentira; a tênue linha entre o amor e o ódio; entre a bondade do perdão e a justiça da vingança; a esperança das tardes de maio e as saudades das noites de verão; prego a multiplicidade do amor, mas sou fiel; uma pessoa cheia de sonhos, mas incapaz de torná-los realidade por achar que o mundo seria cruel demais com eles; reveladora dos outros, mas um segredo para mim mesma; defensora do amor, mas incapaz de realmente amar; alguém que não consegue enxergar a barreira entre o sonho e o real; sou a sensação de morte ao sentir o choque com a vida; o medo da vida maior que o da morte; nem o homem, nem a mulher; nem o bom, nem o ruim. Apenas uma hipocrisia muito grande que vem à tona num momento de confusão. Apenas algumas palavras tolas que tentam explicar uma realidade atordoada e inconcebível. Apenas uma pessoa que se apaga gradativamente entre a queda do ser ao não ser. Tornando-se essa coisa amorfa, inexpressiva, ambígua, perdida. Apenas a cinza de alguém que poderia ter sido.

Um comentário:

-E2R- disse...

O cinza. O cinza. O cinza...
Amarelo, azul, rosa, roxo, anil, preto, marrom, verde, vermelho, branco, sépia, dourado, prateado, bege...
Sinto que você não se lembra mais de suas cores...Mas elas ainda estão lá, como os lápis no toco: dificil de pegar, mas que produz um efeito todo especial...
Bjs Dé!