À "Jék Leen"
Como de costume, minha escrita hoje é impulsionada por uma amiga: uma conversa com a Jacque (através do nosso abençoado Miranda) fez eu me lembrar de um momento muito bonito da minha vida (que eu havia guardado em algum lugar muito profundo e esquecido dentro de mim), ao dizer que “Igor” significa “Príncipe da Paz”, em russo...
Eu fazia cursinho no Objetivo e simplesmente detestava aquele lugar: odiava aquele povo besta, baba-ovo de professor; odiava aquelas patricinhas burras; odiava aquela cantina absurdamente cara e, mais ainda, o ônibus para a minha casa, que era sempre o último a chegar. Apenas uma coisa naquele cursinho me fazia feliz: o Igor. Eu sempre o achei extremamente carismático, inteligente, sério, dono do sorriso mais doce e dos olhos cor de mel mais brilhantes que eu já vi, mas apaixonei-me de verdade quando o vi chegar com uma camiseta onde lia-se a seguinte mensagem "Amigo não se compra: adote um animal de rua". Naquele dia, ele se tornou a pessoa mais admirável do mundo (ou pelo menos do meu mundo...). Ele não falava comigo (claro, eu era anonimamente deixada de lado no meio daquele monte de corpos esculturais com marcas de biquíni e cabelos com mechas loiras), mas eu adorava quando ele se sentava à minha frente, pois podia ficar observando os movimentos de sua mão quando escrevia, o jeito delicado e ao mesmo tempo inexperiente com que ele arrumava os óculos, a atenção que ele dava para os outros, os olhinhos cor de mel que iam ficando mais escuros e profundos conforme ele ficava com muito sono e, principalmente, o sorriso que iluminava, não só seu rosto, mas o mundo inteiro. Eu mesma não podia evitar um sorriso ao vê-lo sorrir. Meu presente na vida era observá-lo, isso já era uma felicidade e eu devia ser grata por isso.
Alguns meses se passaram e eu continuei a observá-lo, vendo-o tímido, sentindo-se até incomodado com as meninas que se sentavam ao seu lado e faziam de tudo para ter um pouco de sua atenção.
Certa noite, ao sair do cursinho, vi que estava chovendo. Em menos de 10 min a rua lotou-se de carros e ficou deserta novamente. Quase todo mundo havia ido embora de carona ou ligado para os pais. Sobraram apenas eu, uma menina que estava esperando o namorado (que ainda ia sair da faculdade), dois meninos e o Igor. A chuva não parecia dar trégua e a rua era um pouco inclinada, então bem em frente à entrada do cursinho havia uma concentração de água semelhante a uma cachoeira. O namorado da garota chegou e, conforme ia ficando cada vez mais tarde, os dois garotos resolveram sair correndo na chuva mesmo. Eu já tinha perdido o ônibus das 23:10, sabia que o próximo só viria às 23:30. Esperei mais alguns minutos, tinha esperança de que a chuva fosse passar, mas quando até mesmo o segurança do cursinho foi embora, tive medo de ficar ali até tarde. Então peguei minha sombrinha e fui andando para o ponto de ônibus. Enquanto andava (a calça já pesada de tão molhada que tinha ficado após passar pela "cachoeira"), ouvi um barulho de passos molhados atrás de mim. Eu sabia que era o Igor, mas senti vergonha de chamá-lo. Continuei andando. Apertei o passo e percebi que ele estava andando mais rápido. Senti pena, pois a água estava gelada e eu sabia que ele não tinha guarda-chuva, então virei-me para trás e disse:
- Igor, quer uma carona?
E ele sorriu. Seu cabelo já estava todo desfeito, a camisa já estava grudada no corpo e sua calça estava caindo de tão pesada. Ele estava lindo. Entramos os dois embaixo do guarda-chuva e em silêncio caminhamos até o ponto de ônibus. Ao chegarmos, ele me olhou com uma desconfiança inocente e disse:
- Como você sabe meu nome?
Não contive uma risada, pensando "mal sabe ele o quanto sei a seu respeito...", mas respondi apenas;
- Ué, a gente é da mesma sala...
- Mas eu não sei seu nome.
- Não sou popular como você...
- Qual é o seu nome?
- Andréa...
- Bom, então, muito prazer, Andréa! - e me beijou o rosto - Qual curso você pretende prestar?
- Letras...
- Ah, legal! Eu estou na dúvida entre Letras, História e Sistemas de Informação.
- Nossa...você deve ter inteligências múltiplas, né?rsrs
- rsrs é nada! É que não encontrei nada que eu possa dizer "cara, eu sou mesmo muito bom nisso".
A chuva começou a engrossar e em poucos minutos estava chovendo granizo. Ele, então, entrou ainda mais debaixo do guarda-chuva. Seu corpo estava literalmente grudado ao meu, pois estávamos ensopados, mas olhávamos para o chão, constrangidos, cada um para um lado. Não sei no que ele estava pensando, provavelmente estava com medo de que eu fosse agarrá-lo ou coisa assim, mas a única coisa que me preocupava era se ele seria capaz de sentir meu coração batendo desesperadamente, como se pedisse pra ficar ali perto dele por mais um pouquinho. Às vezes eu sentia que ele estava me olhando e sentia meu rosto queimar. Parecia que havia uma bigorna pendurada no meu pescoço e eu não conseguia levantar a cabeça. Quando deixava de sentir os olhos cor de mel sobre mim, levantava timidamente a cabeça, e quando percebia que ele estava olhando, tratava de abaixá-la novamente. Se eu inclinasse minha cabeça para frente mais 3 cm, seria capaz de sentir sua respiração. Nas vezes em que eu consegui levantar os olhos, podia ver que ele sorria, e eu já nem sentia mais o frio e as pedrinhas q caíam sobre a gente.
O silêncio ensurdecedor foi interrompido por um barulho de ônibus dobrando a esquina: era o meu...
Nunca quis tanto que aquele ônibus tivesse se atrasado. Ofereci minha sombrinha a ele, pois a chuva de granizo ainda não tinha parado, mas logo atrás chegou um ônibus que o deixaria perto de casa. Não tive coragem de beijá-lo no rosto ao me despedir, disse apenas um "tchau" muito tímido e entrei no ônibus sem olhar para trás. Quando alcancei a catraca, ele já não estava mais lá. Tudo deve ter durado 15 min, mas me senti mais viva do que se tivesse vivido 15 anos.