sábado, 27 de setembro de 2008

Epifania


Num dia desses da semana passada, a Cecília entrou na aula de Latim com uma cara mto triste. Depois de algum tempo, me escreveu um bilhete dizendo que uma amiga tinha terminado um namoro de três anos. Eu li o bilhete e, sem hesitar, escrevi na linha de baixo:
- Ué, o que tem? É a coisa mais normal do mundo...
- Déia, eu não te entendo! Como uma pessoa tão romantica como vc, que chora vendo vídeo clipes de amores que duram para sempre, pode ser tão fria às vezes?
- Não estou sendo fria, Ceci, só acho que o fato de ter acabado não significa que não foi amor. As coisas são assim mesmo, têm começo, meio e fim. E às vezes é melhor. Não consigo imaginar três anos da minha vida com a mesma pessoa.
- Déia, sabe qual é o seu problema?
- Não.
- Vc acha que o amor só é bom enquanto for platônico, enquanto você não puder ficar com a pessoa. Parece que vc vê relacionamento amoroso como uma coisa suja, que despurifica o amor.
- Sim. É exatamente isso. Parece que o fato de ter a pessoa torna o amor desimportante, trivial e rotineiro. Eu não teria saco, por exemplo, pra ir ao shopping todo final de semana com a mesma pessoa, ou ter que ficar recebendo ligações o dia inteiro, ou me justificar a cada 10 minutos de atraso, ou negar a naturalidade do amor que nasce por outras pessoas. Não gosto disso. Sou fiel a mim, aos meus sentimentos. A pior traição é aquela que aplicamos a nós mesmas. Pq ficar com uma pessoa, negando um sentimento que se tem por outra? Namoros nos levam ao comodismo, e eu odeio isso. Não tenho mais saco pra essa coisa de namoro, de corresponder a expectativas, vc sabe disso...
- Ah, mas vc não teve sorte, só namorou gente doida, deve ter ficado traumatizada.
- Não namorei "só" gente doida, o Everton era super normal, um excelente namorado, eu não tinha do que reclamar. Mas foi exatamente o fato de ele ser tão perfeito que fez com q eu não gostasse dele. Eu gosto da incerteza, do desafio, da conquista...depois, perde a graça.
- Vai dizer que vc gosta de ficar sozinha? Vai dizer que não sente falta de alguém te esperando no ponto de ônibus numa noite bem fria? Vai dizer que não sente falta de acordar à noite com seu celular vibrando por causa de uma mensagem dizendo "Oi, só escrevi pra desejar boa noite"? Vai dizer que não sente falta de ter alguém que goste dos seus defeitos, das suas chatices, do seu mau humor? Vai dizer que não sente falta de alguém que te conheça, que saiba quando ficar quieto, que saiba quando falar a coisa certa...Sei lá, Déia, eu acho que vc precisa de alguém como todo mundo precisa.
- Sim, concordo com vc. Gostaria, sim, de ter alguém. Mas nunca vou encontrar alguém q me aceite do jeito q eu sou, q aceite o meu desleixo, o meu mau humor, a minha hipocrisia, a minha chatice, a minha aversão sexual, a minha desatenção e, principalmente, meus 18 cachorros e suas 18.000 pulgas rsrs.
- Huahauahaua. As pulgas são a pior parte.
- rsrsrs.

O professor encerrou a aula mais cedo, estava cansado. Saímos da sala conversando sobre isso, sobre quem poderia ser o "par ideal" pra mim. Parei no corredor pra vestir uma blusa de lã, pois estava muito frio. Quando saí do prédio, meu amigo me ligou e pediu q eu o esperasse em frente ao prédio da História, pois me daria uma carona.
Então a Ceci e eu fomos pra lá e ficamos conversando enquanto ele não chegava.

- Mas Déia, pelo menos vc consegue se imaginar com algum cara? Tem vontade de ficar com algum?
- Ah...com o Alfredo talvez...
(Cecília vira os olhos, faz uma cara de nojo e diz um "afff").

- Olha, Ceci! Um cachorro! Aaaaaaaaaaaaaaaahhhh! Que lindo!!! Nossa, um cachorro tão lindo desses jogado aqui...olha o pêlo dele, Ceci. Que lindo!!!
- É...olha o dono dele vindo aí atrás...
- Nem vem com essa história, não estou roubando o cachorro de ninguém (isso pq uma vez eu tava levando um cachorro pra comer alguma coisa ali na Fradique e o dono dele veio atrás rsrsrs).
- Não, Déia...é sério.

Quando eu virei pra trás, havia um rapaz atravessando a rua. Ele chegou perto de mim:

- Esse cachorro é seu?
- Meu? Não...achei que fosse seu..
- Ah...eu tava lá embaixo na Farmácia e ele veio me seguindo, meu...fiquei de coração partido.
(segundo a Cecília, nessa hora foi possível ver coraçõezinhos em cima da minha cabeça. )
- Nossa...eu sei exatamente como vc se sente...
- Ah, meu...tadinho...e ele é lindo! Tem um pêlo tão lindo...

Quando ele falou isso, me assustei, e automaticamente olhei pra Ceci, q tava me olhando com um sorriso surpreso e os olhos arregalados. Eu sabia o que ela estava dizendo. Então eu disse:
- Ah, aqui tem vários cachorros...tem uma bem gorda lá embaixo, perto da Farmácia que é bem brava. Não sei se vc a conhece.
- Sim! Conheço! Uma vez fui acariciá-la e ela me mordeu rsrs. Tem um lá no Bandejão q eu fotografei esses dias. Ele ficou lindo na foto!!! Gordo, com uma cara imponente rsrs.

Eu não podia fazer nada além de concordar com tudo q ele dizia, eu fui mordida pela mesma cachorra!!! Estava boquiaberta, e pensei "talvez ele aceite as pulgas". Mas como Murphy está sempre ao meu lado, meu amigo logo chegou... ¬¬

Queria ter tido mais tempo pra falar com ele, queria ter dito que sou vegetariana, protetora dos animais, q tenho 18 cachorros, q sonho em comprar um sítio pra cuidar de todos os animais abandonados q encontrar, mas não consegui falar nada. Só conseguia encará-lo e me sentir maravilhada, como se finalmente tivesse encontrado algo de meu no mundo. Mas meu amigo buzinou, irritado, e eu tive que ir. Dei um beijo na Cecília, que estava tão surpresa quanto eu e que me olhava com o olhar mais amigável do mundo, como se ela fosse minha mãe e estivesse dizendo "eu te avisei...". Não beijei o rapaz, que por sinal, não parava de falar. Acho que ele queria ficar ali conversando. Talvez tanto quanto eu. Não perguntei seu nome, nem sei qual curso ele faz.

Entrei no carro, cumprimentei o Kléber e disse:
- Já teve a sensação de que o amor está tentando entrar na sua vida?